
Ex-parceiros da marca denunciam ambiente de medo e práticas abusivas
Relatos recentes vindos de ex-franqueados e funcionários da Cacau Show — rede que lidera o setor de franquias de chocolates no Brasil, com mais de 4 mil unidades — revelam um cenário interno descrito como coercitivo, autoritário e marcado por cultos motivacionais. As acusações, encaminhadas a diversos canais da imprensa, envolvem retaliações a quem questiona decisões da alta cúpula da empresa e apontam para uma gestão centralizada, comandada diretamente pelo CEO e fundador, Alexandre Tadeu da Costa, o Alê Costa.
VEJA MAIS:
- Cacau Show fecha primeira loja franqueada que denunciou 'seita'
- Cacau Show rebate denúncias e minimiza rituais polêmicos
- 'Igual gado'; ex-funcionário da Cacau Show denuncia tatuagem
“Você não questiona, você obedece”
Segundo os denunciantes, a suposta intolerância a críticas começa com a recusa da empresa em dialogar com os franqueados sobre alterações de preços, políticas comerciais ou estratégias de mercado. Um ex-franqueado de Salvador, que permaneceu na rede por três anos, afirmou que a franqueadora impõe produtos indesejados — frequentemente com curto prazo de validade e baixa rotatividade — que precisam ser aceitos sem contestação.
“Recebíamos lotes com validade de 30 dias e não podíamos recusar. Qualquer tentativa de diálogo era ignorada”, disse o ex-parceiro, sob condição de anonimato.
Além disso, mudanças relevantes eram anunciadas em lives corporativas, sem espaço para perguntas ou manifestações dos franqueados, que apenas assistiam ivamente às orientações da diretoria.
Custo alto, retorno baixo
O ex-franqueado baiano relatou que, mesmo cumprindo todas as exigências contratuais, não obteve lucro durante o período de vínculo com a marca. Alega que os custos obrigatórios, como pagamento de bônus para vendedores, taxas inesperadas como a “taxa do cacau” (referente ao aumento da matéria-prima), e a ausência de e efetivo tornaram o negócio inviável financeiramente.
Cerimônias e eventos motivacionais geram desconforto
Outro ponto citado nas denúncias diz respeito à participação compulsória em encontros promovidos pela Cacau Show. Descritos por fontes como “rituais corporativos”, os eventos envolviam práticas consideradas excêntricas por alguns participantes: roupas brancas, salas escuras à luz de velas e cânticos motivacionais. Segundo ex-funcionários da sede, quem se recusava a participar corria o risco de sofrer retaliações ou ser marginalizado internamente.
O ex-franqueado ouvido relata que era obrigado a custear as despesas desses encontros: “Tudo era voltado a exaltar a figura do Alê Costa e afirmar que a Cacau Show era a melhor empresa do mundo. Mas, fora do palco, o que se via era frustração e descaso com os problemas dos franqueados”, declarou.
Expansão sem limites e prejuízo coletivo
A partir de 2021, a política de expansão territorial mudou drasticamente. As regras anteriores, que garantiam exclusividade em determinadas áreas, foram abolidas. Isso permitiu que novas lojas surgissem em regiões já atendidas por franqueados antigos, prejudicando o faturamento desses estabelecimentos e gerando competição interna.
Fiscalização intensa e punições severas
Além da concorrência desleal, os franqueados reclamam de um sistema de vigilância rígido. Auditorias frequentes, clientes ocultos e relatórios constantes criaram um clima de medo e desconfiança. “Qualquer desvio do padrão é punido com notificações e multas. Somos tratados como funcionários subordinados, não como parceiros”, afirmou o entrevistado.
Obrigações financeiras e garantias bancárias
Outro ponto sensível está na política de cobrança. Após a retirada de crédito, a compra de produtos ou a ser obrigatoriamente à vista. Caso algum boleto fosse atrasado, o valor correspondente era retirado diretamente da garantia bancária depositada. Segundo o ex-franqueado, toda a estrutura jurídica do contrato protege os interesses da franqueadora, transferindo todos os riscos ao operador da loja.
Barreira judicial e silêncio forçado
O ex-franqueado relata que, ao tentar buscar amparo na Justiça, deparou-se com um obstáculo: um aditivo contratual que impõe a resolução de conflitos por meio de arbitragem. “Assinamos o contrato de arbitragem obrigatória em São Paulo, o que inviabiliza qualquer ação judicial convencional. A arbitragem, além de cara, é sigilosa. Mesmo que a empresa perca, ninguém fica sabendo”, explicou.
Ele afirmou ainda que vários processos judiciais têm sido arquivados em razão dessa cláusula. “É uma blindagem que torna quase impossível responsabilizar a empresa publicamente.”
Perfil nas redes e tentativas de intimidação
Franqueados insatisfeitos criaram nas redes sociais o perfil anônimo Doce Amargura, onde compartilham experiências negativas e irregularidades enfrentadas. A a da página, que ainda possui uma loja da marca, afirma ter recebido a visita do vice-presidente comercial da Cacau Show, Túlio Freitas. Ele teria percorrido mais de 600 km até sua unidade no interior paulista para saber “o que seria necessário” para que cessassem as postagens.
Encerramento dificultado
Mesmo após pedir formalmente o fim das atividades e cumprir os trâmites exigidos, o ex-franqueado baiano relata ter enfrentado resistência. “Continuaram enviando produtos mesmo após meu pedido de rescisão. Só depois de meses suspenderam as cobranças e devolveram parte da garantia”, disse.
Ações judiciais e decisões desfavoráveis à rede
A Cacau Show já responde na Justiça por práticas como cobranças abusivas e falhas no fornecimento. Em um caso que tramita na 25ª Vara Cível de Brasília, o juiz considerou como “revanchismo” a retirada de crédito de franqueados que acionam a Justiça, classificando a medida como atentatória à liberdade profissional.
O que diz a Cacau Show
A empresa declarou, em nota, que “não reconhece as denúncias” feitas por meio das redes sociais e afirmou basear suas relações com franqueados “na confiança, respeito e transparência”. Acrescentou ainda que visitas como a do diretor comercial fazem parte da rotina de acompanhamento e apoio aos lojistas, e que não compactua com práticas que contrariem seus valores.
O CEO Alexandre Costa não respondeu aos pedidos de comentário até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto para manifestação.